domingo, 20 de março de 2022

O caso do elefante Sandro e a metáfora do sapo na panela

 

Foto – Sandro, o solitário elefante do zoológico de Sorocaba.

Na sabedoria popular, existem muitas metáforas. E uma delas é a do sapo na panela de água fervente. Ou se preferirem, a metáfora do sapo que não sabia que estava sendo cozido. A metáfora que dá título a esse blog.

A história é a seguinte: uma rã é colocada em uma panela cheia de água fria e lá nada tranquilamente. Então embaixo da panela um fogo é aceso e como resultado a água começa a esquentar. De início, a rã nem nota isso, até gosta de poder nadar em uma água um pouco mais cálida. Só que a coisa não para por ai. O fogo continua aceso e a água esquenta cada vez mais. À medida que a água esquenta, a rã para de apreciar a água e começa a se sentir cansada. Até que chega um ponto em que a água está tão quente, mas tão quente, que a rã, exausta e sem forças, já não pode mais fazer nada para se salvar e sair da panela. Visto que agora a rã já está cozida e morta.

Lembram que em 2010, no vídeo sobre as bandas coloridas, que o Felipe Neto (vulgo garoto colorido) disse que chegaria o dia em que ser heterossexual se tornaria errado? Pois bem, pelo andar da carruagem, estou vendo que há mais um dia que também está por vir: o dia em que comer carne de verdade também será algo tido não só moralmente errado, como também passível de crime e até mesmo de prisão.

Recentemente, foi anunciado que o elefante Sandro, que pertence ao zoológico “Quinzinho de Barros”, de Sorocaba, após a Prefeitura local acatar a recomendação do Ministério Público, será transferido ao SEB (Santuário de Elefantes Brasil), situado no Mato Grosso, mais precisamente na Chapada da Diamantina. Nos próximos dias, a transferência será efetuada e o paquiderme de 53 anos de idade (que com a morte de sua companheira Haisa em 2020 tornou-se o único elefante do zoológico) viajará por mais de 1500 quilômetros até o novo destino dele.

À primeira vista, isso parece ser algo muito bom. Dado que o dito santuário tem uma área ampla para os elefantes pastarem e andarem, riachos para se banharem e tudo mais. Mas ao examinarmos mais atentamente a questão estamos diante de algo no mínimo preocupante. Preocupante não só pelo fato de que Sandro não é o primeiro elefante a ser transferido de um zoológico ao tal santuário (antes dele, Bambi, que tal como Sandro era uma elefanta de circo e que estava no bosque de Ribeirão Preto, também foi transferida ao referido lugar), como também o precedente perigoso que isso está dando.

O precedente de que um dia, no futuro, esse pessoal dos direitos animais resolva dobrar as apostas e confiscarem para seus assim chamados santuários mais e mais animais que até então estavam em zoológicos. Para isso se valendo de processos movidos por ONGs como o Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal, envolvido nos referidos casos.

Essa gente já tirou os animais dos circos brasileiros (que a meu ver, diga-se de passagem, foi um erro que um dia haverá de ser reparado e revisto), a tal ponto que se alguém hoje em dia quiser ver animais em circos no Brasil você terá de comprar (ou mandar confeccionar) um bolo de festa infantil com temática circense (talvez um sinal de que tal proibição deixou muita gente insatisfeita). Tanto que se vocês fizerem uma visita à página no Facebook e/ou ao canal do You Tube do circo português Victor Hugo Cardinali (circo esse que foi elogiado em 2015 por Marcos Frota pelo ótimo tratamento dispensado a seus animais, entre eles cavalos, camelos bactrianos e elefantes africanos, além de ter sido escolhido para as filmagens do filme “Grande Circo Místico”, de Cacá Diegues) vocês encontrão postagens de brasileiros insatisfeitos com o fato de que os animais sumiram dos circos brasileiros.

E a coisa não parou por ai: essa mesma gente em 2016 por pouco não proibiu as vaquejadas e os rodeios (tanto que para proteger as atividades em questão criou-se uma legislação especial na qual as transformaram em patrimônio imaterial cultural brasileiro) em um caso que foi ao STF (Supremo Tribunal Federal), e agora está começando a tirar elefantes de zoológicos de pequenas cidades do interior brasileiro. E ao contrário do que dizia o Tiririca na campanha eleitoral de 2010, a coisa vai ficar cada vez pior.

O que dizer sobre o caso do elefante Sandro? Dentro de uma perspectiva de longo prazo, isso nada mais é que a continuação natural e inexorável do que foi feito lá atrás, quando esse pessoal dos direitos animais, em conluio com políticos e personalidades favoráveis à agenda dessa gente, tirou os animais dos circos brasileiros. E depois por pouco não fez a mesma coisa com os rodeios e vaquejadas do nosso país.

A pergunta que fica no ar é a seguinte: o que mais eles farão no futuro? O que mais eles vão querer lá na frente? Quem não me garante que essa mesma gente, na medida em que ficarem cada vez mais ousados e cada vez mais atrevidos, um dia não irá nos colocar na cadeia por andar na rua com um cachorro, montar um cavalo, ordenhar uma vaca ou mesmo por comer de carne de verdade?

Lembremo-nos do trágico destino que o presidente chileno Salvador Allende teve. Allende governou o Chile entre 1970 a 1973 pelo Partido Socialista do Chile, após ter sido eleito em uma eleição em que venceu sem ter a maioria dos votos. Com o passar do tempo uma agitação golpista se avolumou contra o governado da Unidad Popular por ele encabeçado, depois que tomou medidas como a nacionalização da indústria do cobre e a reforma agrária. Surgiram grupos reacionários armados como o Patria y Libertad, que promoviam sabotagens a instalações elétricas e até mesmo atentados (como aquele que ceifou a vida do general René Schneider, ainda em 1970). Uma greve de caminhoneiros paralisou o país em 1972. E o que Allende fez para combater aqueles que queriam derrubá-lo do poder? Ao invés de enfrenta-los, fez várias concessões a eles, achando que assim aplacaria a sanha golpista deles. E uma dessas concessões foi nomear Augusto Pinochet Ugarte como comandante-em-chefe das Forças Armadas chilenas, depois que o general Carlos Prats renunciou ao seu posto.

E o resto da história nós conhecemos muito bem: Allende, do alto de seu republicanismo torpe e ingênuo, não apenas foi brutalmente morto e assassinado durante o assalto ao palácio de La Moneda no golpe de 11 de setembro de 1973, como também foi traído por Pinochet. Ou seja, ao nomear Pinochet como comandante-em-chefe das Forças Armadas chilenas Allende colocou a raposa para cuidar do galinheiro. O mesmo Pinochet que após derrubar Allende do poder instaurou um regime de terror de Estado que perdurou por 17 anos na nação andina.

Foto – Salvador Allende (1908 – 1973), presidente do Chile entre 1970 a 1973.

Alguns me perguntarão: qual o problema com o santuário em questão? Eu tenho um pé atrás em relação ao SEB por uma questão ideológica. Visto que, pelo que eu pude ver, eles professam uma plataforma ideológica de direitos animais (cuja finalidade é sob o pretexto de libertar os animais criar uma espécie de apartheid entre homens e animais, fazendo tábula rasa sobre e eliminando toda e qualquer relação entre os dois – e para isso começando a atacar atividades que utilizam animais sob o pretexto de eventuais maus tratos a eles), e não de um verdadeiro bem estar animal.

Sobre tais estabelecimentos, já li muitas coisas escabrosas a respeito dos santuários americanos que são geridos pelo pessoal dos direitos animais (já vou deixando bem claro o seguinte: o problema a meu ver não são os santuários por si mesmos, e sim quem os gere e a agenda ideológica que esse pessoal advoga). Tanto que até foi criado um termo em inglês para eles: “scamtuaries” (junção das palavras “scam”, que significa fraude, cambalacho, mais “santuary”, que significa santuário).

Eles geralmente capturam animais de circos e zoológicos pequenos, por se tratarem de alvos mais fáceis. Assim foi o caso da elefanta africana Nosey, capturada por tais ativistas em 2017. Nascida no Zimbábue nos anos 1980 e enviada aos Estados Unidos após ter tido sua família aniquilada durante a corrida do marfim dos anos 1980, Nosey pertencia ao circo da família Liebel, uma tradicional família circense baseada na Flórida.

Até que a elefanta foi capturada por ativistas de direitos animais e em seguida enviada ao santuário de elefantes do Tennessee. Um lugar péssimo para elefantes viverem. No qual eles passam a maior parte do tempo dentro de celas de puro concreto com barras de aço, sem substrato para aliviar os pés deles e artrite.

Além disso, cinco surtos de tuberculose já tiveram lugar no estabelecimento (2009, 2010, 2012, 2014 e 2015), 17 elefantes até hoje lá morreram, os elefantes são submetidos a excessivo uso de sedativos, o tratamento de pele e de pé é péssimo e tratamento médico adequado a eles é negado. Entre outras coisas.

Foto – Nosey, a elefanta africana que em 2017 capturada por extremistas dos direitos animais e enviada a um santuário no Tennessee. Foto de quando ela ainda estava com a família que cuidava dela.

Além disso, nos Estados Unidos houve casos de zoológicos que foram assediadas por ONGs como o PETA e outras afins, como foi o caso do zoológico de Edmonton no Canadá (onde vive a elefanta asiática Lucy), Los Angeles (onde vive o elefante asiático Billy), Oregon (onde vive a elefanta asiática Čendra), Virgínia (onde vive o elefante africano Aša) e Buttonwood (onde vivem as elefantas asiáticas Ruth e Emily). É isso que vocês querem, que com o tempo aqui no Brasil não apenas floresça um esquema de santuários similar ao existente nos Estados Unidos, como também apareça uma militância de direitos animais com um nível de agressividade similar ao existente nos Estados Unidos, e com o tempo essa militância começando a assediar os zoológicos e até mesmo a espalhar mentiras sobre a situação dos animais que lá se encontram? Isso eu não quero.

O fato é que hoje chamam os irmãos Power, tradicional família circense brasileira, de exploradores de animais pelo fato de que no circo deles há um número de acrobacias em touros. Postagens com mensagens desse teor podem ser vistas em uma página dedicada ao circo deles no Facebook, assim como em vídeos no You Tube e outras redes sociais (geralmente, postagens de conteúdo praticamente idêntico entre si).

E amanhã, na opinião dessa gente, quem serão os próximos exploradores de animais? A resposta é óbvia: eu, você, todos nós, por termos um cachorro, um gato ou um coelho em casa. Ou por comer carne de verdade (e não as famigeradas carnes de origem vegetal que já podem ser vendidas em supermercados e que não tem o mesmo valor nutricional e a mesma sustância da carne de origem animal).

Estou vendo que a população não se dá conta da seriedade do problema e do quão esse pessoal dos direitos animais é perigoso. Como bons chantagistas que eles são, eles não vão parar nesse ponto. Os circos, rodeios, zoológicos, vaquejadas, aquários são apenas os peões a serem devorados no jogo de xadrez deles. O rei que irá tomar o xeque mate somos nós.

Lembrando que essa mesma gente, nos Estados Unidos, arruinou com o circo Ringling Brothers, um dos circos mais tradicionais de lá. Depois de tanto ser acossado e assediado por grupos de direitos animais como o PETA (People for Ethic Treatment of Animals; Pessoas pelo Tratamento Ético dos Animais) e o HSUS (Human Society of United States; Sociedade Humana dos Estados Unidos) e estes moverem ações judiciais milionárias nas quais o circo era acusado de maltrato a animais, o Ringlng Brothers fechou suas atividades em 2017. O fato é que se eles foram capazes de arruinar com um circo com quase um século e meio de história por um meio de um assédio insidioso que se arrastou por muitos anos, o que eles não serão capazes de fazer conosco?

Além disso, eu não quero um dia poder viver em um mundo no qual pessoas como a Luísa Mell e o Ricardo Tripoli (deputado tucano do estado de São Paulo que elaborou o projeto de lei que proibiu o uso de animais em circos no Brasil ainda durante o governo Lula) vão determinar o que posso ou não posso colocar no meu prato ou o que posso ou não posso vestir. Viver em um mundo desses é um pesadelo, e infelizmente nós estamos caminhando a passos largos para que esse dia chegue. Esse e tantos outros dias, diga-se de passagem.

FONTES

Bring Nosey Home (em inglês). Disponível em: Bring Nosey Home - HOME (weebly.com)

Circus Closure – saddest day on Earth (em inglês). Disponível em: PTH - Circus Closure-Saddest Day On Earth (protecttheharvest.com)

Elefante Sandro do Zoo de Sorocaba vai embora para um Santuário no Mato Grosso. Disponível em: Elefante Sandro do Zoo de Sorocaba vai embora para um santuário no Mato Grosso – Sorocabanices

Marcos Frota elogia o bem-estar animal do circo Victor Hugo Cardinali. Disponível em: Marcos Frota elogia o bem-estar animal do Circo Victor Hugo Cardinali - YouTube

Não faz sentido – Gente colorida! [+18]. Disponível em: Não Faz Sentido! - Gente colorida! [+18] - YouTube

Parábola da rã cozida. Disponível em: Toque do Anjo: Parábola da Rã Cozida

Quem é Sandro? Conheça o elefante que vive no Zoo de Sorocaba desde 1982 e será transferido para santuário após morte de companheira. Disponível em: Quem é Sandro? Conheça o elefante que vive no Zoo de Sorocaba desde 1982 e será transferido para santuário após morte de companheira | Sorocaba e Jundiaí | G1 (globo.com)

Salvador Allende. Disponível em: Salvador Allende – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)

The saving elephants from animal extremism Project! (em inglês). Disponível em: THE SAVING ELEPHANTS FROM ANIMAL RIGHTS EXTREMISM PROJECT - Home (weebly.com)

 

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